segunda-feira, 31 de março de 2008

Linha


A fina chuva e o vento congelando meu nariz me faziam desejar voltar.
Os compromissos cotidianos me obrigavam a ficar e esperar. O ônibus não chega nunca. Com o pescoço virado na direção em que ele viria, como se isso o fizesse aparecer mais rápido, noto um homem chegando. Aproxima-se e pára ao meu lado. Balbucia um bom dia, respondo e dou dois passos em direção contrária. Alguns segundos suspensos e ele vem em minha direção. Senhor baixo, cabelos quase completamente grisalhos e oleosos, óculos pendurados no pescoço por uma cordinha encardida. Uma blusa de lã que pouco parecia aquecê-lo, carregava uma sacolinha. Reparei que mantinha a mão direita suspensa, e que ela tremia persistentemente. Os olhos que já deviam ter sido jabuticabas hoje não passavam de algo disforme e de cor indefinível. Me aborda, apontando para o muro à nossa frente, contando uma história teoricamente verídica: o dono daquele barracão havia lhe emprestado um maquinário para costuras, em troca de que ele comprasse seus tecidos. Simplesmente balanço a cabeça afirmativamente, e imagino que é mais um doido varrido à solta. Insiste. A imagem me angustia. A mão fremente e a sacolinha ritmada a ela aumentam a angústia que sinto enquanto ele fala e quase deixa a dentadura cair. Creio que notou e faz uma pausa. Eu pouco havia entendido do que ele tinha dito, mas notei que queria muito falar sobre trabalho. Muda agora de assunto, e explica, sem que eu tivesse perguntado, o motivo dos tremores: mal de Parkinson. Atingiu-o aos 60 anos, enquanto esperava, sentado na cama, a mulher preparar o café. Precisa se medicar de duas em duas horas, e não é sempre que o tremor é tão intenso, só quando fica excessivamente nervoso. Mas a doença não atrapalha no trabalho, nunca atrapalhou. Essa manhã já “tinha feito” 2 reais com o papelão que estava lá à toa, e que colocou no carrinho e puxou. Agora felicita a si mesmo sorrindo, pois consegue ainda trabalhar. Na sacolinha havia dois cones de linha branca: - Se a gente fica parado, fica sem sentido essa vida. O ônibus chega finalmente e eu, do tamanho de um botão, embarco e sento, tentanto apaziguar o nó que teimava na garganta.
Patricia Fabro

HOMEM-PIZZA


Há anos esperava por aquele momento. Não pôde esperar mais, precisava realmente parar. A bolada arrecadada depois de tanta dedicação, dedicação exclusiva, renderia um bom tempo de segurança e tranqüilidade, que já não conhecia mais. Também por isso não possuía amores, nunca pensou em constituir família. Não compareceu ao enterro do pai, viúvo há muito. Único elemento da prole, enviou apenas um cartão e algum dinheiro para as despesas funerárias. Mal teve tempo de chorar-lhe a morte.Tudo acertado, ansioso, resolve colocar em prática os planos. O apartamento, em andar alto, propiciava o silêncio tão almejado. Os aparatos eletrônicos, de informática, os mais modernos que conseguira encontrar. Celular desligado, o interfone só tocava para avisar que a correspondência bancária ou a pizza diária chegavam. Aproveitava o tempo ocioso para procurar os melhores roteiros, todos pareciam interessantes, mas companhia só as de viagem. Encontraria durante os belos trajetos imaginados.A correspondência ia escasseando à medida do tempo, e o interfone agora só anunciava mesmo a chegada da esperada caixa de papelão, contendo o alimento diário. Na despensa havia uma provisão de refrigerante para um batalhão. Via e-mail só chegavam propagandas, e os roteiros já lhe pareciam desinteressantes o suficiente para desistir deles. Depois disso, o espaço que mais ocupou foi o da manchete do jornal sangrento: PIZZA MATA GORDO: Corpo putrefato de homem obeso é encontrado em meio a pilhas de caixas de pizza e garrafas de refrigerante, em apartamento de classe média da cidade.
Patricia Fabro

Metafóricamente falando - Uma tarde com George Lakoff por Ethan Strauss (traduzido por Beto)

O poder de juntar duas crenças contraditórias em uma mente simultaneamente, e aceitando ambas; Mentir deliberadamente enquanto acredita-se nas mentiras genuinamente; Esquecer fatos que se tornaram incovenientes, e então, quanto se tornam necessários novamente, retirá-los do limbo durante o tempo em que for necessário; Negar a existência da realidade objetiva e só para acreditar na realidade que outra pessoa nega. Tudo isso é indispensavelmente necessário. Até usar a palavra "ambíguo" é necessário para exercitar a ambigüidade. Por usar a palavra admite-se estar mexendo com a realidade; o uso da ambigüidade destrói esse conhecimento; e assim indefinidamente, com a mentira sempre um salto a frente da verdade.
- de 1984, por George Orwell

Decidimos nos encontrar no café "Free Speech Movement". Eu me remexo pela fila interminável do café, esperando que George Lakoff chegue. Estou nervoso a esse ponto, talvez até me cagando de medo. Caralho, ele é famoso - famoso para um lingüista, talvez, mesmo assim: famoso. Lakoff amontoa best-sellers, fundou o pensamento progressivo no Instituto Rockridge e se envolveu em uma disputa a lá repentista rapper com Noam Chomsky, o padrinho da lingüística. Não estamos falando de disputas escolásticas. Em suas briguinhas sobre teorias abstratas, Lakoff disse, "Eu acho [o trabalho político do Chomsky] muito parecido com sua lingüística. Ele tem uma visão filosófica da linguagem e não aplica isso a linguagem de fato." Para o qual Chomsky respondeu, "Morra lentamente, filho da puta, morra lentamente!"
Se você proeminente é o suficiente para irritar Chomsky, você é foda.
Por volta das 15:40, George Lakoff emerge. Eu escolhi cuidadosamente minhas palavras por hora (e talvez só por aquela hora). Um homem como Lakoff não chega simplesmente, ele emerge. George Lakoff tem uma aura, um magnetismo, uma mística, e, o mais importante, o requisito de um professor fodasso: uma barba aterradoramente inspirante. Estou intimidado. Parece um horrível encontro às cegas, e Lakoff percebe meu nervosismo. Ele sabe que é superior; não há a mínima chance que eu o impressione. Um homem com uma barba cuidadosamente talhada não teme nada. Esse é um dos grandes mistérios da humanidade; um homem mal barbeado passa suas tardes na praça "Berkeley's People"; já um homem com uma barba bem trabalhada, aparenta estar sempre um passo à frente de alguém que recebeu um Nobel. Isso é justo?

Você Parece Um Homem Devastador

Aproximadamente um minuto após o inicio da conversa ficou claro que Lakoff adora o conceito de “incriminar”, o que eu vim a entender como o "uso de uma metáfora entre-linhas para comunicar uma idéia". Enquanto Lakoff murmurava que "o que os conservadores têm feito é mostrar suas idéias gerais para que suas idéias de verdade fiquem fora de foco", eu comecei a sentir como se estivesse em "Waking Life" [filme], eu tava esperando que a barba de Lakoff começasse a brilhar e pular para fora do meu campo de visão.
Durante toda a entrevista, não pude deixar a idéia de que Lakoff estava em piloto automático. Eu me senti como o espelho em que ele pratica antes de um discurso. Ele até me interrompia na maioria das vezes, e resmungava quando meu comentário ou pergunta o desapontava.
Lakoff até faz sentido. Conservadores são bons no uso de metáfora para se conectar às mais profundas questões humanas. Eles são também espertos o suficiente para usar frases como "alívio de impostos / diminuir impostos", "absorção parcial de nascimento" [acho que se refere a impostos de acordo com a idade] e "pacifismo liberal" para subitamente fazer uma lavagem cerebral em você. Eu até concordo quando Lakoff diz que os conservadores "mentem efetivamente" [mentira funcional] quando propõe impostos como "Iniciativa pela limpeza do céu".
A entrevista corre bem, já que Lakoff não pára de falar, e portanto, o ambiente não está tão terrível. Então algo não relativo à barba me ocorre: minhas perguntas são chatas e tediosas. Chatas e tediosas! Tenho que fazer algo quanto a isso. O estoque de respostas para meu estoque de perguntas cresce tediosamente. De algum jeito eu invoco uma questão legítima.
"Quando você está tentando levar pessoas para o seu lado político, quando os fins não justificam os meios? Quando isso é anti-ético, quando isso é mentir?"
Tensão preenche o pesado ar com aroma caféico. Todos os pretensiosos clientes do café param de falar sobre o que eles viram no PBS na noite passada e sintonizam para ouvir a resposta de Lajoff à minha pergunta mestra.
Stephen Colvert e Walter Cronkite simultaneamente me dão tapinhas nas costas enquanto Lakoff decide como me responder. Bill O'Reilly me joga seu prêmio Polke através do café. Tá, eu inventei tudo isso (exceto que Bill O`Reilly estava lá e de fato me jogou seu prêmio Polke... juro pela minha vida!), mas a resposta de Lakoff é 1.000.000 % verdadeira. Ele disse "Eu rejeito a questão".
Quê?! Ele realmente disse isso? Faz três horas que eu não consigo dormir e tô bebendo Coca Diet e subitamente eu me encontro super acordado e curioso pra caralho. Quando eu peço que ele elabore, ele diz "Eu rejeito as premissas da sua constatação". Caralho, esse homem é o cânone lingüístico!
De algum jeito ele transmuta uma questão numa constatação, lhe dando a brecha para que desvie de uma questão pegajosa. Lakoff reitera que fazer alguém concordar com você pode ser uma estratégia honesta. Você tem meramente que dizer o que acredita usando metáforas, descobrir qual metáfora funciona, e usá-la repetidamente. Esse é o velho "os carros vendem-se a si próprios" que os vendedores de carros usam para se grantir. Se você tem um bom produto, não é necessário mentiras ou exageros para vendê-lo. Tudo o que você precisa é de um firme aperto de mão e um pouco de lábia. Se você acha que estou comparando Lakoff a um vendedor de carros, bem, não estou. Mas realmente parece que sim.
Não interessa que teoria lingüística você aplique para explicar isso, esse jeito de pensar mata você politicamente. Com certeza você não precisa de "truques" para vender seu produto, mas com certeza ajuda. A minha mínima parte idealista quer abraçar essa filosofia pró-honestidade, mas nem rola.
Milhares de anos da história humana estão contra Lakoff nessa questão.
Anteriormente na entrevista, ele me disse que os conservadores parcialmente se dão bem porque mentem. "Essa é parte do seu sucesso [dos conservadores]", diz ele "Eles usam linguagem rebuscada e enganosa". Mas agora ele me diz que mentir não ajuda? Ele é como um microcosmo de evolução lingüística; "não mentir" e "mentir" podem significar a mesma coisa em Lakoffiano, quando no contexto certo (leia-se "quando ele quer estar certo"). Ele diz o que quer e quando quer constantemente.

"Glorificai, idiotas, glorificai!"


Eu sempre achei que pra alguém acreditar em Deus tinha que ser muito burro. Mas isso é passado! Agora a coisa se complicou; pra alguém acreditar em Deus tem que ser muito burro, ignorante e louco de esperto! Acreditar em Deus é uma das coisas mais espertas ever! Quem não quer ir pro paraíso? I mean, você tem duas escolhas:

1 - Ou faz do jeito Dele e vai pro céu

2 - Ou faz do teu jeito e vai pro inferno...

Eu prefiro ir pro inferno a ficar a eternidade (o que é bastante tempo) n'um lugar chato que nem o céu. E outra, o inferno é open-bar e o capeta é legalzão. Afinal, quem quer passar a eternidade rezando ou trepando com virgens? E depois da primeira trepada, o que acontece? Elas explodem ou o que?Eu quero ir pro inferno pegar geral, encher a cara e me drogar. Porque lá só tem os prós, não tem os contras do tipo ressaca (nem mesmo ressaca moral, pois moral é coisa do céu). E virgem trepa mal e faz cu doce... e são só AS virgens, não tem OS virgens, ou seja, só homem hetero e lésbica vai pro céu.O céu cristão é pior! Lá as pessoas não trepam! Não tem nem as virgens loucas pra dar... pensa bem, que tipo de gente vive na igreja? Sim! Santarronas e homem uó... dai você morre, vai pro céu, e passa o resto da sua eternidade cantando músicas do padre Marcelo Rossi ou daquela mulher que roubou milhões da igreja Renascer, ou do Edir Macedo, ao lado de pessoas como, ahn... padre Marcelo Rossi, Edir Macedo e a mulher louca de esperta da igreja Renascer... No Sex, No Drugs, No Balada. Tipo, é a eternidade ao lado de gente chata, do vizinho pastor da Assembléia de Deus, da tia uó que tava domingo de manhã na missa e depois do almoço fazendo batuque na laje.Já o inferno cristão é pra onde vai homem cafageste, pessoas que trepam, jogam, usam drogas, bebem, todas as bills da boate, todas as sandalhinhas da... boate?... (acabei de perceber que eu não sei nada sobre lésbicas)... Todas as pessoas da faculdade que tem cérebro suficiente pra negar a existência de um deus onipresente e onipotente. [aliás, esse, eu tenho que confessar, é um toque de mestre, dizer que existe um deus onipresente e onipotente é dizer que existe um deus que explica-se por si só, logo, você tira dos seus ombros qualquer necessidade de explicação], todo o povo do terreiro, do centro espirita ou qualquer outro culto religioso que não seja decididamente mono-cristão-teísta (o que é estranho, porque o catolicismo não é monoteísta nem aqui, nem na China). Ou seja, só as pessoas legais vão pro inferno.E, sinceramente, eles precisam renovar essa idéia de inferno deles, os tempos mudaram meus amigos... Aposto que existe milhões de pessoas que acham a idéia de ser torturado muito excitante. Quando eles vão acordar e perceber que a idéia de sofrimento é algo super pessoal... Acho que meu inferno seria ter que passar o resto da minha eternidade tendo que conversar sobre igreja com gente sem cérebro que não consegue explicar nada se não pela fé. [A coisa mais fácil ever é explicar algo pela fé, eu acredito, logo existe e pronto. Não há o que debater. Eu acredito no unicórnio rosa invísivel, ele é invisivel, logo não posso saber se ele é rosa, mas eu acredito que ele é rosa, logo ele é. Pronto. Simples assim.] Pra outro alguém o inferno pode ser um lugar cheio de crianças pra serem cuidadas. Pra outro um lugar onde só se pode comer banana.E sei lá, as mesmas pessoas que escreveram a bíblia mataram Jesus e falaram que a terra era quadrada. [E se Jesus chegasse agora no Vaticano, ele conseguiria ver o papa? Eu acho que não...]A idéia de céu e inferno é tão pessoal e idiota quanto qualquer outra idéia que a Igreja tenha implantado. E eu super me surpreendo que alguém que tenha feito o ensino médio e frequentado [e prestado atenção] as aulas história geral consiga acreditar na Igreja/igreja. Tipo, ou a pessoa não pensa ou simplesmente tem preguiça de pensar, o que é pior. Tá tudo ali: Calvinismo, Luthero, guerras, cruzadas, Vaticano, monarquia, etc, etc, etc... tudo, tudo, tudo. É tudo uma questão de dinheiro e política [com uma pitada de militarismo, sometimes]. E o pior é que nem criatividade eles conseguiram ter...Virgem tendo filho? Como é mesmo que Hércules ou Perseu foram concebidos? Ahn, mães virgens que tiveram algum tipo de relação com Zeus (opa, tira o Z e coloca um D). E eu não lembro o nome agora (my bad, sorry) mas no hinduismo tem a história de uma virgem (!) que estava banhando-se n'um lago, então a lua fez chover pingos prateados (!!) sobre ela e... advinhem, a virgem engravidou (!!!) TA DA! Satanás? Diabo? Capeta? Quanta criatividade pra nomes! Ops, se não fosse pelo fato que eles apenas tentaram transformar em mal o que para outras civilizações era o bem. Satanás, por exemplo, é o deus da fertilidade e da terra para uma tribo no México. O fato é que eu não consigo concluir esse texto ou qualquer coisa que o valha pois não há conclusão possível. Ou melhor, a conclusão é simples: Glorificai, idiotas, glorificai! Que enquanto isso, eu vivo.


Beto

Que é Quenga?

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Curitiba, PR, Brazil
n substantivo feminino Regionalismo: Nordeste do Brasil. 1 vasilha feita de metade de um coco-da-baía da qual se retira a carne 2 Derivação: por metonímia. o conteúdo dessa vasilha; quengo 3 Uso: tabuísmo. mulher que exerce a prostituição; meretriz 4 Uso: informal. coisa imprestável, inútil