A fina chuva e o vento congelando meu nariz me faziam desejar voltar.
Os compromissos cotidianos me obrigavam a ficar e esperar. O ônibus não chega nunca. Com o pescoço virado na direção em que ele viria, como se isso o fizesse aparecer mais rápido, noto um homem chegando. Aproxima-se e pára ao meu lado. Balbucia um bom dia, respondo e dou dois passos em direção contrária. Alguns segundos suspensos e ele vem em minha direção. Senhor baixo, cabelos quase completamente grisalhos e oleosos, óculos pendurados no pescoço por uma cordinha encardida. Uma blusa de lã que pouco parecia aquecê-lo, carregava uma sacolinha. Reparei que mantinha a mão direita suspensa, e que ela tremia persistentemente. Os olhos que já deviam ter sido jabuticabas hoje não passavam de algo disforme e de cor indefinível. Me aborda, apontando para o muro à nossa frente, contando uma história teoricamente verídica: o dono daquele barracão havia lhe emprestado um maquinário para costuras, em troca de que ele comprasse seus tecidos. Simplesmente balanço a cabeça afirmativamente, e imagino que é mais um doido varrido à solta. Insiste. A imagem me angustia. A mão fremente e a sacolinha ritmada a ela aumentam a angústia que sinto enquanto ele fala e quase deixa a dentadura cair. Creio que notou e faz uma pausa. Eu pouco havia entendido do que ele tinha dito, mas notei que queria muito falar sobre trabalho. Muda agora de assunto, e explica, sem que eu tivesse perguntado, o motivo dos tremores: mal de Parkinson. Atingiu-o aos 60 anos, enquanto esperava, sentado na cama, a mulher preparar o café. Precisa se medicar de duas em duas horas, e não é sempre que o tremor é tão intenso, só quando fica excessivamente nervoso. Mas a doença não atrapalha no trabalho, nunca atrapalhou. Essa manhã já “tinha feito” 2 reais com o papelão que estava lá à toa, e que colocou no carrinho e puxou. Agora felicita a si mesmo sorrindo, pois consegue ainda trabalhar. Na sacolinha havia dois cones de linha branca: - Se a gente fica parado, fica sem sentido essa vida. O ônibus chega finalmente e eu, do tamanho de um botão, embarco e sento, tentanto apaziguar o nó que teimava na garganta.
Patricia Fabro
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