quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

O Idiota



[Escrito por outro idiota]

Era o típico arquétipo prescrito na obra “O homem delinqüente” de Cesare Lombroso, ou seja, o marginal nato. Tinha cara de mal, barba por fazer, jeito de malandro, falcatrua, cafajeste em todos os sentidos. Papo agradável, as mocinhas adoravam. Algumas sabiam até o que ele realmente queria com elas, mesmo assim se arriscavam. Amigos? Tinha alguns poucos. Era muito seletivo, só gente agradável podia o acompanhar, sendo defesa a participação de pessoa que estivesse em outro estado de ânimo ou emocional divergente ao dele. Aquele que não sorrisse ou se embriagasse, era literalmente expulso de seu círculo social, como se fosse algo descartável. Traíra também era algo inerente à personalidade do dito cujo. Não podia encontrar brecha que já apunhalava por detrás até os melhores companheiros que o agradavam. Parecia sentir um prazer exacerbadamente mórbido em ser egoísta e egocêntrico, ignorando os sentimentos alheios, e desprezando quaisquer tipos de manifestações afetivas com relação à sua pessoa. Digo era, pois não é mais. Descobriu que semeou a árvore dos frutos malditos tarde demais. Estava beirando a meia idade, cabeça de adolescente. Os poucos que lhe acompanhavam evoluíram, mudaram, cresceram. Iam abandonando paulatinamente àquele que anteriormente idolatravam. Quando menos percebeu, sozinho estava num inferninho, sem ter alguém para criticar. Malditos! Ou não? Desesperou-se: ligou para um colega. “Desculpe, não sou mais juvenil...”. Tudo bem, não gostava muito. Outro: disse que estava ocupado demais cuidando de negócios. Ainda há esperança! Não deu certo, casou-se e tem dois filhos, outras prioridades atualmente. Finalmente, apelou às vadias. “Mudei: agora encontrei alguém, larguei o pensamento idiota de que saindo com qualquer um estava sendo uma mulher moderna...”. Subitamente desistiu, virou uma talagada de pinga barata. Estava triste, sentimento de fraco segundo sua convicção. Olhou ao redor em busca de solução. Nada. Parecia o fado grego, quanto mais tentava se distanciar do sofrimento, mais o encontrava. Estava sozinho. Descartado. Morto socialmente, assim como um cárcere. Viu seu reflexo no líquido translúcido de seu instrumento laboral. Quem observa ébrios habituais lembrará de sua última e derradeira fisionomia. E que a terra lhe seja leve!
"Idiota"

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

O que é isso, companheiro?

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Eu e essa minha vontade de comer M&M´s de madrugada ainda vai dar em alguma coisa, ainda que essa coisa seja uma súbita vontade de escrever textos estapafúrdios e de conteúdo aparentemente duvidoso. O fato é que, ao calçar meus mais do que surrados tênis Puma Hemp para deslocar-me sonolento ao supermercado 24 horas com um único caixa em funcionamento, foi impossível não recordar a gloriosa figura do Sr. Fernando Gabeira e sua infame sunga roxa, já nem tão em áureos tempos.
"Porra", pergunta-se o intrépido leitor - "mas que caráleo tem a ver o cu com as calças?".
Enfim, se você chegou até aqui e não entendeu que relação há entre os M&M´s, Puma Hemp, Gabeira (aliás, seria Gabeira um clone do Ferreira Gullar, ou vice-versa? Bem, não importa tanto assim...) e a sunga roxa, talvez você não seja o leitor modelo que propõe o inglês Terry Eagleton em seu mais do que batido "Teoria da Literatura", ou ainda o italiano Humberto "acho ele chato" Eco, em qualquer uma de suas publicações teóricas que tanto me entopem de desespero e sono. Mas enfim, qual é a alegria em ser um leitor modelo e não um burro de carteirinha que bóia até mesmo em conversa de elevador? A alegria, companheiro, é que você pode entender tudo o que está escrito aqui, embora não pareça fazer sentido, sem precisar consultar o oráculo virtual mais apreciado pelos intelectuais formados pela UNIGOOGLE, com pós graduação na Wikipedia.
E pensar que eu poderia gastar todo meu tempo e vernáculo explicando, usando até mesmo de exemplos semióticos, mas para que? A pergunta que nunca vai calar é a que se faz todo dia em que se nasce novamente. Não explico, não escrevo, não exemplifico, não desenho. E que fique o dito pelo não dito, até mesmo porque se você é uma anta de carteirinha de nada adiantaria perder o meu e o seu tempo. Em sua falsa intelectualidade jamais entenderia a arbitrariedade do signo, pois para o cérebro intelectualóide tudo o que é arbitrário fere o conceito de liberdade, que é algo que deve ser respeitado acima de toda e qualquer coisa. Blablabla clássico, recheado de citações clichê, mais clichês do que o próprio fato de ser clichê. Ah, malditos cérebros de molusco, malditos seres que pensam conhecer tudo, poder discutir qualquer coisa, que criticam tudo que vai contra o conceito de sociedade, mas que dão risada das próprias misérias.
Mas voltemos ao Gabeira e a sua sunga roxa. Percebam que não estou seguindo um sistema organizado, não estou usando recursos narrativos de livrinhos. Talvez tenha você o mesmo susto que tive quando li "Bestiário", mas deixarei isso para outro texto, porque aí sim, Gabeira nada tem a ver com Cortázar, e Cortázar nada tem a ver com M&M´s. Fernando Paulo Nagle Gabeira, um tiozinho de respeito, escritor, político, jornalista, autor de Diário da Salvação do Mundo e O que é isso, Companheiro?, entre outros, ficou famoso não apenas por suas obras, mas também por ser um dos mais sérios e ponderados defensores da discriminalização do cânhamo e, infelizmente, por aparecer em não tão áureos tempos trajando uma ridícula sunga de cor indefinida que aqueles que sofrem do problema de não identificar cores chamaram de roxa.
E meu Zezuis da Galiléia, se tu ainda não entendeste a relação das coisas, trocarei meu Puma Hemp por um Adidas made in China - TUDO é feito na China - fecharei meu wordpad e voltarei à pilha de livros que tenho para ler, acompanhado de duas versões distintas de M&M´s, uma de chocolate, outra de amendoim. E claro, para todos aqueles que, assim como eu, consomem toneladas de M&M´s por ano, é fato que o preferido é sempre o roxo, que aparece em proporção infinitamente menor do que o marrom ou azul. Roxo, e não lilás, nem vinho. 100% de cyan + 100% de magenta. Isso, procura no Google o que vem a ser essa estranha equação...
E ficamos por isso mesmo, pelo menos por enquanto. O fato é que fui convidado para jantar em um lugar da moda, recheado de pessoas tipicamente lugar comum, intelectualóides de carteirinha, enólogos, baristas, gourmets, toda sorte de atores, atrizes, comediantes, escritores, poetas, cineastas, estrelas de máxima grandeza, hipócritas assumidos, idiotas de todos os modelos. Fui convidado, mas não aceitei. Não me misturo com essa gentalha. Vou novamente ao supermercado 24 horas para comprar duas caixas de leite, colocarei-as no freezer para que gelem bastante e vou chamar minha amiga querida, inteligente e divertida para tomar um Nescafé Ice com Chantilly de dez reais. Gelado. E com certeza poderemos discutir a sunga roxa, Eagleton, Sartre, Eco, funk carioca ou nada disso. Muito mais cool e cult do que discutir coisas cool e cult que beiram o clichê, ou fingir saber diferenciar Malbec de Cabernet Sauvignon apenas pelo cheiro.
Para que minha noite seja melhor só faltará mesmo a presença de uma criaturinha doce, linda, inteligente e divertida que sonha em ser James Bond para roubar côcos no estacionamento do supermercado. Agora, apanhado em um momento de recente nostalgia, recordo-me daqueles pezinhos 35 erguendo-se ao limite, das maõzinhas ajeitando os óculos enquanto observa o último engradado para certificar-se da veracidade e qualidade dos côcos. Ela desenvolve estratégias, eu dou risada e apóio o que quer que ela faça.
Logo depois deixa-me em casa. E novamente levanto, calço meus surrados Puma Hemp... agora, o que eu escrever na volta já é uma outra história.
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cmarcellus

Desculpe se eu sou influente no showbusiness


No meu funk vai Madonna
E a Betty Faria
A Tieta da novela
E a viúva Porcina
O Caetano me adora
O Silvio Santos também,
Pois sou a melhor amiga
Da filha número seis.
A hostess me avisa
Que barraram a Corona
Eu não tô nem aí
Só me importo com a Madonna.



A Sandy me ligou
Me pedindo uma carona
Mas eu já tô na pista
Com a Tati boladona
O Dylon chegou dançando
Pensando que é meu amigo
Só porque eu sou popular
Ele quer dançar comigo
E lá vem a Preta Gil
Me encochando por trás
Sai daqui minha, filha
Só me encocha o seu pai
Só porque é filha dele
Tá pensando que é a dona
Eu não danço contigo
Eu só danço com a Madonna.

Juli P.

sábado, 5 de janeiro de 2008

Sobre homens e hímens

[assionara souza]

1.
Era só uma menina. Com sonhos. Sonhos de fotografias. E grafismos. Inventar uma moda. Ficar, sim, bem famosa. Talvez aprender um instrumento. Saber bem. Estudar partitura. Uh, que difícil. A pele fresca. Os dentes com aquela borda ainda não serrada de todo. A adolescência e o sexo afoitos e delicados. Feito asas de borboleta. Hoje vai ter uma festa, diz o professor velhudo. Eles vão se apresentar na Casa e, olha, aparece lá. Abriu um sorriso e empinou o corpo todo pra frente. Que alta! Essa geração, hein! Puxa com tudo o cigarro. Muita força nesses lábios, guria. A cabeça cheia de pensamentos. As coisas que se pode aprender. E ele acha que está no papo. Mais tarde. Uma lingerie ... branca? A amiga chega junto. Segura o coisinho da jeans onde vai o cinto. Encosta-se. Hoje, a festa? Risadinhas. Uh, frescor. O velhudo com a apostila bate três vezes na palma da mão mordendo a língua dentro da boca esquisita. Que não se sustenta. Besta ao quadrado. Hoje! As duas saem saltitantes pelo pátio. À noitinha, esquenta no bar do Turva pra chegar no grau e não pagar bebida cara! Truques. Mas que vão. E chegam. No banheiro, desliza os dedos enterrando fundo a calcinha e PAN! PAN! Duas palmadas fortes na bundinha dura. Estica bem o preto/básico e aproxima a cara pro espelho. Ah, esse baton é ó-te-mo! Pernas que não acabam mais. Não vai cair nesse salto! Pensa no urso que ficou em cima da cama, no quarto da pensão, com aquele olhão regaladão. Seria o olho da mãe? Em outra cidade, cuidando que cuidando. Ela vai fazer publicidade & propaganda. Quase que escuta o ranger da cadeira de balanço da avó. Uma mão antiga e cheia de sinais; percussão de pensamentos. O coração esmorece. Mas o futuro é tão longe de tudo. Perto daqui. Agora mesmo. Abre as asas da porta e a música aumenta. Uma mesa de frente pro palco. Um terço da mesada vai todo por aqui? Não, que a amiguinha tem papai. Lá do balcão, a garçonete de cabelo curto James/bar olha pras duas. Marlboro do forte. E uma garrafa de... ah, vai esse mesmo! É bom, né? Uma gota no lábio vermelho que a ponta da língua sorve. Tem gente te filmando, guria. A música agarra no pescoço arrepiando. Uh! Olha os dois. Por que tu não vai lá, guria? Depois, depois. A noite é boa e a mãe dorme. A avó, há muito. Um grilo cava seco na lajota da cozinha. É verde? O ano foi bom. Deu pra trocar todo o piso. A menina está estudando na cidade. Bem, muito bem. O baterista agride os pratos. PAN! TUNTS! PAN! Risos. Vontade louca. Levanta e chega até o balcão. Cotovelos suspendem um pouco o corpo. Perna que dobra até, quase. Encostar a ponta do salto no traseiro. PAN! TUNTS! PAN! Bate no piso bem no ritmo. E canta. Dos treze aos quinze ficava em casa com o encarte do cd decorando letra de música. Sabia todos os hits. Gira e olha tudo em volta. Lá vem. Ladeiam-na. Você é bem altinha, hein, guria. A amiga acena e traga o cigarro irônica. Uma taça, por favor. E enchem que enchem. O bico dos peitinhos se atiçam. É bom isso, né? Ser, assim, querida de todos. Se brincar, dá umas três vezes. A idade do velhudo e a dela. Muito mais. E não é que ele parece aquele tipo do desenho?! O lobão. Ela acha engraçado. O peso da mão no seu ombro. Subindo forte pra nuca. Por que essa bocarra tão grande? Atola a língua inteira. Um gosto grosso de saliva e nicotina. Seria que tinha gostado? Mas até ali agüentando bem. Coragem é crescer de salto alto e sem cair. A amiguinha se aproxima. O outro é de História. Mas nada substitui as exatas. O corpo ficou pequeno quando ele enlaçou-a com o braço vermelho e peludo. Sentiu que boiava num daqueles pneus de caminhão que os primos enchiam pra descer o rio. A mãe comprava tudo combinandinho. E nem deixava ela ir. Só uma vez, mãe?! O coiso encostando atrás. Inútil sua mão minúscula tentar abrir aqueles dedos grossos. Quando olhou, nem viu mais a amiga.

2.
Pensava em se divertir um pouco. A noite é tão colorida. Encontrar no fim da tarde a amiga estranha. Bom essas amizades novas. Tomar um café no Franz e trocar altos segredos. Já estava entrando numa fase em que não era só riso e fantasia. Nã não! Coisa séria. E humor muito refinado. Porque as pessoas que lêem, tem, sim, um trato diferente com as palavras. Não é simplesmente número. Nada disso. Reflexão. Sensibilidade. Hum! Lembrou daquela uma amiga fútil/fútil que tomava champagne sem calcinha na sacada de um predião lá no Batel. Personagens que criava para as noites de tédio. E eram muitas. Se não podia ser, não era. E tal. Ah, tão sensivelzita que não cabia em si. Marcou com a louca, então, no Franz mesmo. Aqui perto de casa A luz na praça estava boa. A cidade tinha dessas. Uns locais especialíssimos. Árvores filosóficas largando cores no calçamento. Quando a poesia completa o ser não é preciso mais nada. Sofreu. Claro que sofreu. Uma viagem a Paris. Uma viagem a Nova Iorque. Que mais? Gostava de música também. Os simbolistas, eles sabiam tudo, não é mesmo? A louca achava que a moça que servia o café era triste de não caber. E aquele namoro que não acabava nunca. Empate na vida. Empate. Empate. Sim, por favor. Conte-me tudo, querida. Estou aqui para escutar você. Veja só essas roupas. Esse modo de vestir ultra/maisque/original. No fundo elas se amavam como duas crianças perdidas. E a solidão não deixa de ser uma coisa parecida entre mulheres. Veio uma jarra de chá gelado. Não pensavam em sexo. Só a louca. Que essa não sossegava nunca. Ela, por sua vez, queria um grau ótimo de sensibilidade. Precisava de mais poemas para o novo livro. Estava preparando. É pra quando, amiga? Quem visse, acharia muito estranho. Duas culturas, diriam. Altamente desencontradas. E mesmo assim, irmãs. Ninguém dava mais de trinta. Mas tinham. E temiam. A exigência era muito maior. Paixões esporádicas. Diz que conheceu um cara em São Paulo. Poeta. Falava horas com ele ao telefone. Olha, meu bem, não se zangue comigo. Eu não presto, mesmo. Você sabe. A literatura é a única mulher a quem jamais trairei. A louca ouvia. Teria uma delas deixado escapar uma furtiva lágrima? Não. Nada disso. Vamos? Saíram dali satisfeitíssimas da amizade que cultivavam. Todos estariam lá. E estavam. O evento literário bombando. Coisa mais mentirosa. As pessoas querendo não ser elas mesmas. Coisa de muito se envergonhar. A louca olhou, olhou. Não encontrou o ladrão por lá. Menos que mal. Já ter que aturar os de sempre. Estava com idéias. Vamos fazer uma coletânea. Alguma coisa que abale a cidade. Ela olhava e ria. Como que esse batom nunca sai dos lábios, querida? Parecia assim uma boca auto/limpante. Mas nem dez horas ainda. Podiam dar uma esticada. Por que não? Somos, as duas, criaturas muito independentes. E a noite, meu bem, você sabe – é uma criancinha de trinta anos. A louca sentou ao lado do clown. Ele era até bonito. Se não estivesse em fase de peitinhos. Podia bem encarar. E vinha a imagem daquele lenho grosso. Entrando. Saindo. Cansou que cansou. Só peitinhos, agora. Ai, querida, já por mim, digo, em mim, haha, adoro que adoro. Somos tão diferentes, não? O clown perguntou: você está com quantos anos? A louca riu o que podia rir. Mas é que lhe enchiam o copo. E estava bem pra lá de entediada. Essa era a verdade. Olhou pra outra. Tão solta. Parece que nunca a vira assim. Combinação. Duas poetas. Foi quando o ladrão chegou. O click. Dali em diante tudo podia ser muito arriscado. Ela deslizava. Trechos do Doors. Misturados com Chanson d´automne. As traças sabiam mais. Não resistiu e quis. Começou a entender as coordenadas. As pernas estavam quentes. Tinha saudades. Aquele tempo antigo. Mas não podia por nada ter saudade. A infância era longe. Chovia menos na cidade. Nada de capa-de-chuva amarelo vivo. Nada de pulos nas poças d´água da Pça Espanha. Mãe, deixa um dia tomar banho na fonte?! A mãe ria. O ladrão serviu uma taça mínima com uma bebida azul. Estavam onde? You know that I would be a liar. E realmente era. Nem um sinal da louca. Olhou-se no espelho do bar. O nariz sangrava.

3.
Tantas ele já tinha feito. Mas ela perdoava. Acreditava na camaradagem. Acreditava. Uma amizade sincera. E ele era um artista. Um homem sensível nem sempre é um homem fraco. Com ela era assim. Não sofria muito pra resolver tesão recolhido por amigo. Já trepava de uma vez e a amizade continuava a fluir sem problemas. Sem o entrave da possibilidade. Ela era um amigo com peitos. Eles faziam confissões das outras. Lembra daquela namorada?! Mesmo depois de gozar muito, enfiava uns trecos lá dentro e ficava urrando. Coisa mais louca. E todos riam. Não. Nem queria ouvir isso. Tinha tristeza. E um humor quente e vivo. Uma energia. Se outros e outras viam isso, por que ele não? Afinal, que porra de amizade era aquela? Ela queria ser comida. Por ele. Pelo amigo. Comida com gentilezas. Comida com afeições. Não simplesmente com esse sexo barato que ele fazia com outras. Amiga de um homem quer o que as outras não terão jamais. O que seria isso, ninguém sabia. Pois não era algo que se dissesse ou pensasse. Mas uma percepção que estava na entrelinha das relações. Os olhos dele eram indiferentes. Havia sim, um amor. De que natureza? Os dois sentavam num café. Os dois andavam pela rua. Um desejo de entender. Interpretar. Muito maior da parte dela. Queria saber daquela substância egoísta que o movia. E as paixões todas que ele vinha contar. Onde nasciam? Qual a fonte? Disponibilizava-se. Rompia acordos de encontros. Só para estar com ele. Importunava-se. Uma dúvida única. Ele não a queria? A intimidade podia até estar lá. Mas era ansiosa. Mentirosa. Sem leveza. Faça-me aqui o resumo de sua vida. Nada a ver com last time i saw Richard. Nada a ver com diamantes em pedaços de vidro. Nada a ver. O silêncio era impossível entre os dois. Pesava nela um sentimento feito líquido que se arrastava nas veias. Espalhava pelo corpo. Olhava pra ele e o líquido ia da garganta pelo corpo todo. Mesmo que sorrisse. Mesmo que ele acendesse o cigarro que ela tinha nas mãos. E parecesse gentil. Era rápida a velocidade com que os dias seguiam. Separaram-se de um modo esquisito. Sem um dizer nada ao outro. Se encontravam espaçadamente. Com uma suspeita da parte de ambos. Não eram mais amigos. Não eram nada. Uma sombra.Até que ele mudou de cidade. E pareceu que estava tudo bem. Falavam-se ao telefone. Com uma força. Uma verdade. Uma decisão boa. Uma crença. Ela desligava e sorria por um tempo. Encostada à parede. Pulso serrado. Fechava os olhos e respirava fundo. O que não foi. O que não vai ser. O que é sempre. Trocavam idéias de música. As confidências todas. Ah, você não toma jeito. E o desenho da voz indo e vindo. De um pra o outro. Um laço. Essas questões todas. Não deu outra. Ele veio à cidade. It´s decision time again. Claro que sim. Lá foi. Novamente. Mesma expectativa. O bar era o que eles iam sempre. Ela estava diferente. Talvez. Ele achou. E ele andava com um cara estranho. Um tipo que ninguém quer por perto. Virando copos e mais copos. Bebe aí, porra! Talvez ela tenha achado engraçado. A música alta. Tinham que falar quase gritando pra se ouvir. Os olhos iam se tornando cheios de intenção. Uma intenção quente e crua. O copo não parava muito na mesa. As mãos grossas do cara. No gesto repetido de encher e encher. Um sorriso maligno demais. Estranho aquilo. E ela olhava pra ele. O cabelo estava um pouco diferente. O ar um pouco cansado. A moça do bar veio avisar que estavam fechando. Ir para onde? Ah, não! Ele não mora muito longe. Você não é afim?! Passamos lá e matamos um! Ah, vamos! Deixa disso! Não é afim? Não. Não era afim. E foram. O banco de trás do carro do tal cara tinha um odor de pêlo e urina de cachorro. Mas ela deitou mesmo assim. Nem viu pra onde estavam indo. O carro parou bruscamente. Vamos sair um pouco! O parque é bonito à noite. Vem pra cá. Os faróis acesos. Parece que tocava Bob Dylan. E eles fumavam e riam desequilibrando-se. Mas não foi só pra acender o cigarro que se aproximaram. Cochichavam. Conversavam. Ela encostou as duas mãos no carro. Botou tudo pra fora. Tudo o que percebeu. Ali naquela cena. E foi o que se deu. Você não está bem, garota. Vem cá. Vem cá que eu te ajudo a ficar bem. A cara destroçada do cara se aproximando. Então era assim que tinha que ser? O corpo investia pesado contra o seu. Sim, era Bob Dylan. A respiração cortava com a dor. A uns três metros dela, o velho amigo de sempre observava. Sem se mover. Fumando muito concentradamente. Havia uma quase ternura em seu olhar. Um olhar sério e antigo. A que ela correspondia. Com todo o amor. Não podia chorar. Nem se livrar daquilo. Era mesmo amor. E como doía.

Sartrilégio


Não é fácil formar-se em Letras. Digo, não é fácil ser formado em Letras. Muito menos continuar no caminho das pedras, digo, das Letras. Você deve estar pensando que é porque vou ser pobre, mas não é nada disso. Pobre é você, se não no banco, no espírito. O difícil mesmo é que quando você é letrado às últimas conseqüências, te falta amor no coração para tolerar as besteiras que proferem sem pudores por aí. E como falam besteira. Dos analfabetos aos doutores, passando ferozmente pelos pseudo-intelectuais, todo mundo se "metida" a falar da nossa área cheio de propriedade. Falam de língua e literatura como xingam o juiz de ladrão. E é uma rajada de lugares-comuns, preconceitos, moralismo, divagações sem fundamento e besteiras afins. E me permito a revolta, pois nunca me entreguei a falar dos temas de propriedade dos engenheiros por aí. Se o fizesse, é provável que sairiam coisas do mesmo nível, e não quero nenhum engenheiro sentindo vergonha por mim. Mas nem todos têm a mesma sensatez (pelo menos com relação aos assuntos a debater). Sartre, por exemplo, é um desses. E é dos piores: o faz por escrito, oferecendo a eternidade às suas besteiras. Ontem li Que é a Literatura, do referido senhor. Li, aspas. Li até a página 42. E tive espasmos. É infinitamente ruim. Ele diz que os críticos são senhores cujas esposas mal humoradas dormem de calça jeans e não são suficientemente amados pelos filhos. Diz também que o leitor jamais chegará ao nível de compreensão de uma obra do autor. E completa diferenciando a prosa da poesia: para a poesia, a palavra é objeto, para a prosa a palavra é signo (tá, dá pra se pensar, mas se fosse uma regra teria talvés mais exceções do que casos que a seguissem...), e, portanto, a poesia não deve ser engajada, enquanto a prosa tem por obrigação a militância. Jezuz Christopher! A pessoa pensa que porque é O Sartre, pode falar o que bem entende. Acontece. Que o diga Mario Vargas Llosa e José Saramago. E não nos esqueçamos do nosso ilustre local Ferreira Gullar. Mas a estes prestarei minha humilde homenagem em momento oportuno. Agora quero saborear minha raiva do Sartre. Ah, por favor, quando eu ficar famosa me lembre de não falar sobre física quântica. Só por garantia.
Juli P.


Que é Quenga?

Minha foto
Curitiba, PR, Brazil
n substantivo feminino Regionalismo: Nordeste do Brasil. 1 vasilha feita de metade de um coco-da-baía da qual se retira a carne 2 Derivação: por metonímia. o conteúdo dessa vasilha; quengo 3 Uso: tabuísmo. mulher que exerce a prostituição; meretriz 4 Uso: informal. coisa imprestável, inútil